Em entrevista à “Stv Notícias, o Bastonário, Mário Sitoe, falou das dificuldades e das metas que a organização pretende atingir. Para já, a prioridade é formar profissionais de qualidade.
A OCAM – Ordem dos Contabilistas e Auditores de Moçambique - é uma pessoa colectiva de direito público, independente do Estado e de quaisquer organizações públicas e privadas nela inscrita, criada para a prossecução do interesse público. Como surge a ideia de criar a Ordem dos Contabilistas e Auditores de Moçambique e qual é a importância de se ter esta organização no país?
É uma instituição cujo objectivo tem que ver com o interesse público. O conceito de interesse público é completo pela questão da “independência”, o que significa que o trabalho do contabilista e do auditor, mais do que responder à prerrogativa dos patrões ou de outros interesses, visa responder ao interesse público, daí a necessidade de ser independente, o que só se consegue quando se conjugam factores como conhecimento, competência, sabedoria, que dotam o profissional da “independência” que é aqui sugerida. Portanto, a Ordem, de acordo com a Lei 8/2012 de 8 de Fevereiro, é criada com o objectivo de regular o exercício da profissão de contabilista e auditor em Moçambique, e criar todas as condições atinentes ao desenvolvimento destas profissões no país.
Antes de prosseguirmos com a conversa, seria importante perceber quais são as atribuições ou o campo de acção de um contabilista e de um auditor…
O campo de actuação destes profissionais são as demonstrações financeiras, ou seja, a realidade económica das unidades económicas, sejam empresas ou instituições do Estado. O contabilista trabalha com factos que ocorrem no dia-a-dia nas empresas, falo de factos financeiros e económicos, processa-os para torná-los mais simplificados sob forma de relatórios financeiros. O auditor faz a confirmação dos dados que são preparados pelo contabilista. Portanto, estas duas profissões são complementares. A contabilidade e a auditoria são a base fundamental para que as unidades económicas entre elas as empresas, saibam a sua situação económica e financeira, dá ao Estado a possibilidade de saber qual é a parte do rendimento nacional que deve ser destinado ao investimento público. A razão fundamental para a existência destas duas profissões é a economia, sobretudo na questão da planificação do que produzir, porque, quando como e para quem produzir, para responder à questão da escassez dos recursos para a satisfação das ilimitadas necessidades humanas.
Como é que a OCAM se organiza hoje, ou seja, quantos profissionais fazem parte, que requisitos são necessários para aderir a ela e que nível de cobertura nacional?
É uma questão interessante porque os próprios membros da Ordem têm dúvidas sobre quem deve ser, efectivamente, membro da OCAM. O legislador da OCAM perspectivou que podem ser membros todos os que têm formação técnica ou superior em contabilidade e auditoria ou os que têm formação em ciências afins (economia, finanças, gestão). Então, eu considero que a OCAM é a ordem mais aberta e abrangente que conheço porque admite mesmo os indivíduos formados em direito desde que estejam a trabalhar em matérias financeiras, e sabemos que há muitos juristas a trabalharem nestas áreas. Então, devo esclarecer que a OCAM não é só para os técnicos de contas (os que assinam relatórios de contas), mas todos os que tomam decisões que têm efeito na gestão do dia-a-dia das empresas.
Quantos são os associados à OCAM e qual é o nível de cobertura nacional?
Neste momento, estamos a falar de um número de membros próximo de 2 800 membros, sendo 2 700 contabilistas e 100 auditores. Temos aproximadamente 12 empresas ou sociedade de auditoria acreditadas e próximo de 100 empresas de contabilidade acreditadas na Ordem. Estatutariamente, a Ordem tem representações em todas as regiões do país (Sul, Centro e Norte), mas do ponto de vista operacional, pela experiência ao longo de 1,5 ano de existência, vimos que era mais prático estendê-la para o nível de província. Portanto, temos delegados provinciais da Ordem em todas as capitais provinciais mais Nacala.
Há desequilíbrio na participação quando comparamos contabilistas e auditores. Há presença esmagadora de contabilistas tanto do ponto de vista de membros individuais, quanto de empresas. Há alguma razão?
Sim. De princípio, todas as empresas e até pessoas singulares são obrigadas a ter contabilidade organizada. Mas nem todas as empresas são obrigadas a auditar as suas contas.
É preciso redesenharmos o modelo de profissional que queremos
Foi com base nesta fragilidade que o país iniciou, há alguns anos, a implementação das chamadas Normas Internacionais de Relato Financeiro. Em que consistem?
A contabilidade está a migrar para uma situação tradicional tecnicista, para uma situação de relato, ou seja, as Normas Internacionais de Relato Financeiro (NIRF) distinguem-se dos princípios contabilísticos fundados nos códigos de contas pela capacidade de destacar a essência e não a técnica, ou seja, qualquer facto que ocorra numa empresa, o mais importante é compreender a sua génese do que compreender os aspectos mecânicos como era na altura dos princípios anteriores. NIRF significa ênfase na explicação dos factos. Estamos a caminhar para uma situação de normalização contabilística baseada na essência dos factos e não necessariamente em procurar o código de contas em que se pode encontrar um determinado facto patrimonial.
Há indicações de que a sua implementação acarreta elevados custos, por vezes difíceis de suportar pela maior parte das PME. Quanto custa a adopção das NIRF?
Moçambique aderiu às NIRF primeiro pelo sector bancário e depois pelo sector de seguros. Depois foi aprovado o decreto 70/2009 que trata das grandes empresas e das empresas públicas e há um complemento que é o Plano Geral de Contabilidade (PGC) para as Pequenas e Médias Empresas e a PGC NIRF para as grandes empresas e empresas públicas. As PME, querendo, podem aderir às NIRF. Não se sentindo confortáveis, podem trabalhar com base no PGC NIRF que é uma plataforma básica de acolhimento das NIRF. Os custos processuais referem-se à necessidade de adequar o equipamento de suporte, que é o informático. Também é preciso treinar pessoas por pessoas competentes na matéria, o que também acarreta custos. Portanto, são os custos de estrutura que são aqui considerados e que é preciso que sejam suportados porque as NIRF têm de chegar ao país e nos encontrarem preparados. O Governo fez um esforço grande nesse sentido, mesmo porque a implementação das NIRF se inicia antes da criação da Ordem. Aliás, a criação da Ordem é um complemento no quadro do esforço de descentralização para tentar complementar o esforço de criação das NIRF.
Em que pé está a implementação das NIRF?
Pelo menos em relação às grandes empresas, a implementação das NIRF conheceu algum sucesso porque estas empresas têm subjacente uma capacidade financeira capaz de fazer face aos problemas que já nos referimos (actualização dos softwares e treinamento do pessoal). Relativamente à adopção do PGC NIRF, continuamos a verificar o sistema de relatos com base nas práticas da era tradicional, porque a maior parte dos profissionais ainda não receberam treinamento adequado neste capítulo e porque não há capacidade financeira para fazer face a esta situação.
A nível da OCAM, como é que está o processo de adopção das Normas Internacionais de Relato Financeiro?
A Ordem está a fazer um grande esforço. Estamos a levar a cabo em todo o país, desde Outubro até Novembro, e escalamos todas as capitais provinciais dando formação aos membros da Ordem e não só. Foi criada uma prerrogativa no sentido de que os membros da OCAM e os estudantes frequentariam os cursos gratuitamente e os outros poderiam mediante pagamento de três mil meticais. Ainda assim, há pessoas que deixamos participar sem honrar este compromisso porque o mais importante não era o aspecto financeiro, mas sim transferir conhecimentos para estas pessoas. Fizemos um acordo com a AT no sentido de que a Ordem tem interesse em que os inspectores fiscais tenham domínio das matérias de contabilidade que são objecto do seu trabalho e participaram neste curso em todo o país sem contra partida monetária. Estamos satisfeitos pelo grau de abrangência e participação das pessoas nestes cursos.
Desde a sua criação, a Ordem está envolvida em diversos programas de formação de quadros e à escala nacional. Porquê formar continuamente?
Nós estamos a desenhar um plano estratégico e, relativamente a esta área de questão, há dois cenários. O primeiro iniciou agora em 2014 e nos próximos anos continuaremos a dar formação deste tipo focalizada na contabilidade, ética e fiscalidade que são áreas-chave. Repare, por razões históricas, temos contabilistas, em pleno exercício da profissão, com o grau académico de nono ano de escolaridade e a maior parte deles tem até 20 anos de experiência. Em contraposição, temos muitos contabilistas, também em exercício da profissão, mas que têm cursos superiores em áreas como Biologia, Química, etc., e que o dia-a-dia deles é a contabilidade. Daí que estamos a tentar alinhar estes cursos e no próximo ano vamos avançar com disciplinas como Economia e Cálculo Financeiro e depois vamos firmar uma parceria com uma universidade no sentido de complementar com cadeiras gerais como Matemática, História etc., para um curso de bacharelato ou licenciatura, para ver se os nossos colegas podem chegar a um grau superior em contabilidade e auditoria. Mas temos um objectivo fundamental: pelo menos até 2020, queremos estar filiados ao organismo-mãe do agrupamento dos profissionais de contabilidade do mundo – a Federação Internacional de Contabilistas (IFAC). Para isso, exortamos todos os membros a participarem neste processo de formação e construção de competências que nos possam trazer equivalências com as competências de todos os contabilistas do mundo. Mas precisamos de apoio para realizar esta tarefa, conseguimos o apoio do governo da Irlanda, mas precisamos de mais. Fomos buscar formadores portugueses, mas a nossa região é falante de inglês, por isso devemos tentar que os que podem, frequentem formações de países que falam Inglês.
Que avaliação faz das instituições que formam contabilistas e auditores no país em termos de quantidade de quadros para os desafios actuais, principalmente no que diz respeito à qualidade desses quadros?
O que posso dizer é que quando os nossos estudantes se formam em Portugal, Estados Unidos, etc., voltam com diplomas em que foram classificados como os melhores. Isto significa que o nosso ensino não é tão mau assim. Relativamente à área de contabilidade, é preciso reconhecer que o profissional que sai da universidade tem capacidade para trabalhar à vontade na área de gestão, finanças, recursos humanos. Mas há especializações nessas áreas. Então, é preciso redesenharmos o modelo de profissional que nós queremos construir. Não estou a dizer que isto é negativo porque do, ponto de vista de empregabilidade, é muito mais fácil um profissional multifacetado conseguir emprego em qualquer daquelas áreas. Mas, mesmo assim, precisamos de profissionais especializados. Agora estamos a tentar desenhar, de acordo com as práticas internacionais, um curriculum que acreditamos ser capaz de atender às exigências da profissão. Vamos negociar com as universidades no sentido de que os estudantes, ao concluírem cursos, tenham determinadas horas de prática.